AGAMAGLOBULINEMIA
A AGAMAGLOBULINEMIA ligada ao cromossomo X (ALX) é uma doença genética rara caracterizada por um bloqueio na maturação da Célula B, resultando em baixos níveis de todos isotipos de imunoglobulinas e falta de produção de anticorpos. A incidência da ALX é estimada em 1/200.000 indivíduos.
Os sintomas instalam-se normalmente no primeiro ano de vida, após o desaparecimento dos anticorpos maternos transferidos transplacentariamente. Os pacientes não tratados começam a apresentar processos infecciosos quando a imunoglobulina transferida da mãe foi catabolizada, em geral, nos primeiros dois anos de vida. Aproximadamente 20% dos pacientes apresentam infecção grave, frequentemente com neutropenia. As infecções de trato respiratório (70%) e gastrointestinal são as manifestações predominantes de ALX, similares a outras deficiências de anticorpos. O que distingue a ALX da maioria das ID humorais é a freqüência aumentada de infecções enterovirais crônicas.
As infecções bacterianas são frequentemente causadas por bactérias piogênicas como o H. influenzae, S. pneumoniae e S. aureus para os quais os anticorpos agem como opsoninas. Como a atividade dos anticorpos contribui para o processo inflamatório nos indivíduos normais, os pacientes com ALX apresentam sintomas leves em infecções graves. Os quadros infecciosos são recorrentes ou crônicos e, frequentemente são encontrados em mais de uma localização e podem ser atípicos, como na artrite associada ao Mycoplasma.
Infecções por Campylobacter jejuni no trato gastrointestinal, lesões semelhantes a erisipela e febre recorrente foram relatados nos pacientes com ALX. A diarréia pode ser de longa duração, alguns pacientes podem ser assintomáticos e a excreção do C. jejuni pode se prolongar por mais de2 a 3 semanas.
As infecções sistêmicas por Ureaplasma urealyticum ou por outras espécies de Mycoplasma também são freqüentes e podem causar sintomas no trato respiratório, articulações e trato urogenital. A identificação destes microrganismos pode ser difícil, o curso da doença pode ser prolongado e a instalação insidiosa.
A maioria das infecções virais tem um curso normal na ALX, porém, aquelas associadas aos enterovírus causam meningoencefalite crônica associada a síndrome de fasciite/dermatomiosite. O Echovírus é o patógeno predominante, porém, Coxsackievírus A e B foram também relatadas na ALX. A infecção por poliovírus pode ocorrer e descreveu-se um risco maior para poliomielite vacinal. A maioria dos pacientes com doença enteroviral prolongada tem sintomatologia similar: fraqueza, perda de audição, cefaléia, letargia/coma, convulsões, ataxia ou parestesias. Alterações de personalidade, como depressão e labilidade emocional podem ser comuns..
A infecção de trato gastrointestinal por Giardia lamblia foi descrita, embora seja mais comum na IDCV. Pode causar dor abdominal, diarréia e má absorção.
A artrite é frequentemente observada na ALX e pode ser o sintoma de apresentação. Ë normalmente asséptica, monoartrítica e afeta grandes articulações, causando hidroartrite com pouca dor; responde à gamaglobulina e não destrói a articulação.
A predisposição aos tumores é uma característica de várias imunodeficiências primárias, porém, esta relação é menos evidente na ALX. A freqüência dos tumores linforreticulares pode estar discretamente aumentada. A maior incidência de carcinoma reto sigmóide foi também observada, com uma maior mortalidade. Sugere-se uma monitorização regular dos pacientes, considerando-se que há uma alta freqüência de gastrite atrófica, anemia perniciosa e adenocarcinoma gástrico em pacientes com IDCV.
Além dos processos infecciosos, linfonodos e tonsilas pequenos ou ausentes são observados ao exame físico. Nos recém-nascidos afetados, a hipoplasia linfóide pode não ser aparente, pois, em lactentes sadios, a expansão das células B induzida por antígenos nos órgãos linfóides secundários ainda não ocorreu. Os órgãos linfóides, tais como linfonodos e apêndice, não possuem centros germinativos e folículos. Na lâmina própria do intestino, os plasmócitos estão ausentes em pacientes com ALX, ao contrário das outras imunodeficiências primárias. Número reduzido de plasmócitos também caracteriza a Imunodeficiência Comum Variável.
Há uma expressão variável de gravidade e o diagnóstico é feito através de níveis extremamente baixos ou ausentes de imunoglobulinas (IgG inferior a 200 mg/dl) e redução ou ausência de células B (B CD19+< 2%) (Conley et al, 2000). A detecção de mutações específicas ou avaliação da atividade da Btk pode confirmar a causa genética em pacientes sem uma história familiar. Cerca de um terço dos casos de ALX são esporádicos e causados por mutações novas. Nas formas leves de ALX, os linfócitos B e imunoglobulinas podem estar parcialmente diminuídos, lembrando a síndrome de Hiper IgM ligada ao X e Imunodeficiência combinada grave. Outro diagnóstico diferencial deve ser feito com Síndrome linfoproliferativa ligada ao X. O número e a função dos linfócitos T não estão afetados.
O tratamento com a administração de gamaglobulina endovenosa mantém a maioria dos pacientes sem infecções, entretanto, enteroviroses crônicas do Sistema Nervoso Central podem ocorrer. Apesar da reposição com gamaglobulina, muitos pacientes desenvolvem bronquiectasias.
A imunização destes pacientes não resulta em produção de anticorpos e a aplicação de vacinas de vírus ou bactérias atenuados pode resultar em complicações graves (de Oliveira, 2000; Piyasirisilp, 2002)(vide capítulo Imunização de imunodeficientes).